Seja bem-vindo, outono!




Crônica #36 publicada no Diário de Santa Maria 22.03/2013 | N° 3407


Tem um livro que, vira e mexe, me pego folheando. O nome da publicação é O Primeiro Gole de Cerveja, de autoria do escritor francês Philippe Delerm. No conteúdo, crônicas que falam sobre os pequenos grandes prazeres da vida. Aquelas sensações e vivências cotidianas que muitas vezes não percebemos serem fundamentais ao nosso dia a dia. Exemplo: ler o jornal enquanto se toma o café da manhã, tomar banho de banheira, comer um croissant na calçada, calçar alpargatas molhadas, ouvir os ruídos de uma bicicleta ou saborear o primeiro gole de cerveja. No texto que dá título ao livro, Delerm diz que é apenas o primeiro gole que importa. Os outros, cada vez mais longos, acabam apenas potencializando a evanescente percepção da abundância esbanjada. E completa: esses goles apenas “encerram a desilusão do fim de um falso poder”. E talvez por isso, muitas vezes, nos embebedemos em busca dessa sensação perdida.

Eu sou um cara que sempre retorna aos seus livros. Por isso, não costumo emprestá-los. Tem vezes que me dá aquela fissura de reler alguma passagem de determinado tomo, daí, rumo até a estante para pegá-lo e... Não está em casa! Perco o sono quando isso acontece. Então, quando vi que O Primeiro Gole de Cerveja estava no seu devido lugar no escaninho, suspirei aliviado e o apanhei de lá.

Essa semana, começou o outono, prenúncio de uma estação que emula em mim muitas sensações de contentamento. Como conter a euforia de novamente escolher uma camisa de mangas longas no guarda-roupa? Como não curtir o céu cinzento de março com cara de agosto? Como descartar o prazer de chegar a sua casa e ter um prato de sopa lhe esperando na mesa? Vou sorvendo-a aos poucos, molhando uma fatia de pão no líquido quente. Embaçando deliciosamente a visão à procura dos escassos grãos de arroz, enquanto a colher afunda no caldo cheiroso. No fim, nada supera a sensação de roer os ossos de galinha caipira e perceber a barba lambuzada com as sobras da canja. Estação fria, por favor, chegue rápido. Todos os naipes e modalidades de pratos quentes irão figurar pelo cardápio aqui de casa. Um música de Shelby Lynne no toca-discos e uma boa companhia para dançar I Only Want To Be With You. Isso me lembra de que preciso correr atrás de uma garrafa de vinho...

E tem mais: chimarrão abrindo as manhãs, início de tarde descascando bergamotas no sol, noites geladas com um bom livro e cobertas felpudas. Filmes e mais filmes para assistir nos domingos de outono. Mesmo de leve, a primeira vez no ano que percebi o friozinho percorrendo a espinha, teve um sabor de imensa satisfação. Lembrei de cara dos “ensinamentos” de Delerm. Tenho uma pá de pequenos prazeres para redescobrir à medida que os dias ganharem contornos ainda mais gelados. Muito obrigado, Senhor. Sou um homem afortunado.



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